segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Augusta

Augustus era, no longínquo passado clássico, o desígnio e acepção do Divino, do altivo e do que era nobre e, sobretudo, sagrado.

Por este motivo, ao longo de séculos acabou por denominar muita gente, entre elas a pessoa cuja história vos vou contar.

Não era linda, mas sempre a consideraram bela. Não era rica, mas durante alguns anos da sua vida teve muito valor. Não era nobre, mas sempre soube ser humilde e genuína.

Casou, mas, por desgraça do destino, nunca teve filhos que lhe alegrassem a vida e ao seu marido. Com a morte deste viu-se privada da sua companhia diária e imergida numa enorme e profunda solidão que lhe foi trilhando a alma e enegrecendo o ser.

Augusta vivia o seu quotidiano aguardando a sua hora como tantos nossos concidadãos. Tratava da sua casa, preparava o seu almoço, passeava o seu amigo de sempre, o Bobby. E assim foi durante alguns anos.

Subitamente, num dia nublado e chuvoso o Sr. Henrique da mercearia estranhou a sua ausência mas, com um temporal daqueles, poderia ser normal. Um segundo dia e nem sinal de Augusta.

Começou por adoecer. Um dia não teve forças para soltar o Bobby da varanda, mas mesmo assim tentou. Juntando todas as suas forças lá se levantou e foi caminhando até que, na cozinha, o malandro do tapete de sempre lhe escorregou e acabou por fazê-la cair redonda. Bateu com a cabeça e definhou nesse mesmo instante, muito embora os lamentos e solicitações do fiel amigo, que não mais a acordou.

Seis meses volvidos e já poucos a recordavam nos seus passeios curvados sobre o peso de uma vida solitária e dura. Haviam passado 10 anos da morte do seu marido e há 5 anos que não via o seu único irmão, nem sobrinhos.

Uma pequena, singela, mas muito possivelmente verídica história de vida de uma idosa abandonada no seu próprio País. Abandonada pela família, abandonada pelos amigos, abandonada pelas instituições públicas e privadas, abandonada pela Sociedade que aos poucos dela se foi esquecendo.

Excepção feita à vizinha de Augusta Duarte Martinho que sempre tentou alertar tudo e todos para o seu misterioso desaparecimento.

Quantas Augustas sofrem neste momento no nosso País a angustia e o silêncio da solidão? Quantas Augustas se vêem sozinhas ao fim de uma vida inteira de dedicação a terceiros sem que nós, membros desta Sociedade possamos fazer o que quer que seja?

Quantos mais idosos precisaremos de encontrar mortos na sua própria habitação envoltos na mais dolorosa pobreza envergonhada? É inacreditável que consigamos hoje, ao segundo, falar com alguém que se encontra do outro lado do Planeta, mas não saibamos dar a mão àqueles que, a menos de 5 metros de nós, sofrem a forte dor, triste e amarga, da solidão.

Ainda temos um longo caminho pela frente para que esta notícia deixe de ser possível. A luta por uma Sociedade mais Justa e Solitária, mais Fraterna e Igualitária não pode ser uma utopia no seio dos jovens portugueses.

Augusta partiu só, mas ao fim de 9 anos tem milhões de pessoas que a trazem no pensamento. Talvez fosse este o seu desígnio: mostrar aos portugueses que não podem continuar a viver ensimesmados, ignorando o que se passa na porta ao lado.

Você que se absteve…. Ganhou?

Nunca vivi sem Liberdade, mas acredito que a minha vida seria diferentemente pior.

A Democracia, como qualquer sistema político, é frágil e necessita da atenção que lhe merece a História de todo um País. Não foi sem sofrimento e sacrifício que chegámos a um sistema fundamentado na Liberdade. Mas será que valorizamos este singelo mas essencial facto da vida de todos os portugueses?

Na verdade penso que não. Se não, vejamos: no passado dia 23 de Janeiro realizaram-se eleições Presidenciais, tendo Cavaco Silva sido eleito com 53% dos votos, mas por apenas cerca de 20% dos cidadãos portugueses. Em Vendas Novas, a escolha não foi muito diferente, tendo a abstenção atingido o marco histórico de quase 52%. Tal facto significa que mais de metade dos eleitores não votou.

“O dia está muito frio! Vou ficar à lareira.” – Esta era frase chave do dia eleitoral na boca de muitos cidadãos. Pergunto eu: O que seria de Portugal se, durante os meses e mesmo os anos de preparação do 25 de Abril, os militares e restantes resistentes tivessem ficado em casa à lareira porque estava frio? Será que algum desses heróicos homens pensou no seu próprio bem-estar? Acredito que não, porque, nesse dia, o que estava em causa era um bem maior que o individuo, um sentimento mais importante que era Portugal e a liberdade que os portugueses mereciam.

“A campanha foi má e pouco esclarecedora. Nenhum dos candidatos me diz nada.” – Outra, legítima, afirmação de muito portugueses. Pergunto eu: Será que o espírito de contributo e participação cívica está assim tão mal que não permite que aqueles que estão descontentes participem e dêem ideias para melhorar o que temos de mau? Ou será que, por comodismo e descrença, nos demitimos da nossa nobre função de ser parte desta República que é Portugal? Acredito que todos temos algo para dar ao nosso País e que a Política só poderá vir a ser melhor se contribuirmos para que assim seja.

“São todos iguais. É tudo farinha do mesmo saco!” – Pergunto eu: Por onde andam aqueles que assim pensam? Se são diferentes, porque não se inscrevem num partido político e tentam mudar por dentro aquilo que está mal nos partidos? Reconheço que há muito trabalho pela frente neste domínio, e que a classe política está sucessivamente em descrédito junto das populações. No entanto, acredito que é egoísta para com o nosso País e o nosso Concelho esta posição. Talvez esta falta de cidadania activa seja um sinal da decadência das sociedades modernas. Como já dizia Eça de Queiroz em “A Cidade e as Serras”, será que quanto mais civilizados somos, mais passivos, mais comodistas, mais aborrecidos e por isso mais decadentes nos tornamos?

“O meu voto não muda nada! Porque hei-de ir votar?” – Pergunto eu: Será verdade? Al Gore perdeu as Presidenciais americanas por cerca de 500 votos na América. Em Alandroal, em 2009, a Câmara “Mudou” por apenas 6 votos.

Perguntem ainda à população de Manteigas se “Um voto faz [ou não] a diferença”. Nas autárquicas de 2005, a Câmara Municipal mudou de gestão por apenas 1 voto.

“Tentei ir votar, mas não consegui porque a minha mesa de voto mudou com o Cartão de Cidadão” – Pergunto eu: Ainda entendemos como um sacrifício um direito que nos é dado de escolhermos os nossos representantes? Será que apenas nos lembramos dos nossos direitos? Não há desculpas para a existência de problemas no dia das eleições, mas não deveríamos todos ter o cuidado, enquanto cidadãos de plenos direitos, de procurar esta informação atempadamente? Acho que essa é a parte dos nossos deveres de que nem sempre nos lembramos.

Concluo dizendo que ainda me lembro dos relatos do meu avô a ensinar-me o valor da Democracia e do poder do voto popular. Um homem que hoje não compreende os que não votam, pois esse foi um direito como qual não nasceu e pelo qual teve de lutar. E eu, enquanto herdeiro de Abril, ainda hoje penso que o valor de tudo o que se conseguiu em Democracia vale muito mais que um dia apenas sem Liberdade.

Depois, é como diz a canção de Sérgio Godinho: “A Democracia é o pior de todos os sistemas…com excepção de todos os outros!” Ajudemos a construir um melhor futuro para o nosso País. A participação cívica só nos enriquece enquanto membros de uma Sociedade e ajuda-nos a deixar um melhor legado às futuras gerações. Participemos em cada dia um pouco mais!